quarta-feira, 7 de julho de 2010

SP-BA uma viagem mágica...

Já na Bahia, quase Corumbau ainda Prado, encasquetei relatar. Hão de existir eles a chamar-me ingênuo por ainda confiar em minha parceira. Outros podem sentir certa decepção ou raiva, podendo xingá-la nomes. Alguns ainda direcionar-me-ão estes nefastos sentimentos, alegando-me irresponsável por expô-la a tais esforços. Pouco importa, conto mesmo assim:
Era domingo, véspera de feriado, saíamos com a cidade vazia, rumo Rio. Eu, com aquele sorriso nos lábios e na alma, como sempre me deixa a perspectiva da estrada. Ela, toda cheia. Um tanto de si, tão linda... Mas bem mais das minhas quinquilharias, máquinas e plantas, incluindo sua irmã mais nova, que nem nome tem ainda, mas já sabe andar em duas rodas enquanto não lhe crescem mais. Parecíamos um recém-casal. Fortes e Confiantes. Rodando veloz, pra lá dos 80 amiúde. Uma delícia... Avistamos inclusive uma parente de Gê. Saia verde, linda! Quase tomo uma espelhada por buziná-la. Perua ciumenta!
Foram quatro ótimos dias na dita maravilhosa. Ao menos para mim. Praia, samba, chopes, risadas, bolinho de bacalhau e o caralho. Gê ficou na garagem. Talvez esse tenha sido meu erro. Andei por carros diversos, táxis até... Uma verdadeira orgia sobre rodas.
Cedo saímos na sexta. Projeto dormir em Itaúnas. Íamos bem, o radio tocava Céu, quando beirando Vitória, tivemos nossa primeira derrota. Ao menos de natureza rodoviária. Gê nunca havia em nosso tempo se entregado a estrada alguma. Uma barulheira pra lá de bizarra. O acelerador, tão fogoso até então, tornara-se o clitóris de uma frigida. Parei, me sabendo fodido... Gertrudes, ciumenta o quanto for, nada tem de fiel. E, talvez dando troco à minha farra carioca, ou por simples luxúria, percebi que minha perua clamava por carinhos experientes. Carícias do tipo que só um mecânico de outras terras pode proporcionar. Aqui dentro da cachola, eu só fazia me perguntar: Por quanto tempo esse canalha esbaldar-se-ia nas intimidades da minha Gertrudes. E, também, quanto de minhas parcas economias isso haveria de me custar!
Com muito esforço nos arrastamos ruidosamente até um mecânico nas cercanias. O rapaz abriu os ouvidos, bati a chave, ele abriu então os olhos. Mau sinal... Pelo infame grunhido que vinha das entranhas de minha querida kombi, o rapaz nos disse não ser a pessoa indicada para nos ajudar, em ambos os domínios necessários. Primeiro no da reconstrução do âmago do paciente (também conhecido como “retífica de motores”). E, após pigarrear, segundo, o da geriatria móvel. Entreolhamo-nos deveras constrangidos com a falta de tato de nosso interlocutor, mas relevamos em breve. Pois o jovem parecia conhecer intimamente “o homem” para tal situação. Muito nos surpreendeu que seu próximo feito fosse gritar Fabrício. Do milhão e meio de possíveis metros quebráveis a rodar nesta jornada, havíamos parado a cerca de 300 do cara!
Atravessa a rua então um rapagão bem apessoado. Forte, com a barba por fazer e todo sujo de graxa. Tive aqui meu momento de despeito. Parecia saber do que falava. Muitos de meus cruzeiros estavam irrevogavelmente prestes e lhe seguir. Mas eu me preocupava mais ainda com o tempo. Estávamos em Cariacica, grande Vitória. Cidade singela e pacata, com o pequeno inconveniente de apresentar o maior número de homicídios por habitante de nosso país. Eram quinze horas de uma sexta feira. Em ocasião anterior, estes mesmos serviços nos tomaram, a mim e a meu irmão Francisco dos Azevedos, pouco mais de três semanas. Quando o rapaz me diz então ser adventista, e portanto não poderia trabalhar no dia seguinte, por este ser o do Senhor. Faltou-me o ar...
Recuperando-me, perguntei desanimado sobre acomodações de preços módicos e bons tratos. Coçou a cabeça e disse o óbvio. Morava ali, porque conheceria hotéis? Mas a pergunta pareceu colocar-lhe em meu lugar. Coçou outras partes, e disse decido: Vamos tentar fazer pra hoje! Hoje??? Como??? Caralho!!! Isso é possível?!! Foi. Não vou me demorar com detalhes torníferos ou de cabeçotes economizados. Só digo que alguém gostou quando nosso novo amigo e mais dois jovens puseram-se em simultâneo a trabalhar habilmente suas peças. Muitos pensam que a mecânica de motores tenha algo de científico. Garanto que não. Feitiçaria pura. Com seus rituais e oferendas. Perguntar por que um motor quebrou, é como perguntar o porquê dela ter ido. Sempre se pode apontar alguns possíveis motivos. Mas a causa certa, jamais. Seis horas depois e o resgate pago, estávamos livres. Cruzamos uma Vitória noturna com um gosto diferente de todas as anteriores. Até achei bonito. Uma hora mais tarde, dormíamos tranqüilos no Hotel Califórnia.
Cedo na estrada, todo barulho era um sobressalto. Depois aos poucos, veio certa tranqüilidade. Até furar o pneu e eu me lembrar de não haver providenciado um calço, necessário ao uso de um novo macaco recém-adquirido. Nosso primata biônico anterior havia falecido. Fiz uma oração à Padim Macgayver Ciço e me veio a visão do calço, na forma de estraçalhos de pneu de caminhão. Dois litros de suor e alguns quilômetros mais tarde, procurávamos um borracheiro, sem saber que encontraríamos outro feiticeiro. Ele, o borracha como seus amigos chamavam, também conhecia seu ofício. A câmara de ar que eu precisava ele não tinha não, e nem ninguém teria... Tentamos então encher o pneu sem câmara. Não dava, tinha folga. Ele então tentou por fogo em álcool dentro do pneu. Seguido à explosão e labaredas esvoaçantes, ligou o compressor. Nada. Pôs então jornal molhado entre a borda e a roda. Encheu. Depois esvaziou, mas me bastou para chegar ao destino. Grande mago!
Ao parar em um posto, notei que a partida demorava estranhamente. Mas me interrompe o momento de incerteza um senhor que pedia carona pequena. Não sei bem se pelos acontecidos, por muita carga ou vontade esparsa, meu instinto hippie não estava a mil nesta viagem. Mas concordei. Acenei com a cabeça diversas vezes para responder palavras absolutamente incompreensíveis. Chegamos. Desce o tiozinho e diz: Obrigado seu menino! Deus lhe encomparse! Nunca havia pensado em Deus como possível comparsa... Mas me foi agradável e divertido. Logicamente, algumas partidas mais tarde, a resposta elétrica estava cada vez mais longe. Era boa a feitiçaria da retífica Líder. Mas não era perfeita. Esta questão porém, foi facilmente resolvida pelo terceiro e último dos autoxamãs que encontramos, o mago elétrico gentil. Por precaução dormi em Prado, sem muita vontade de pegar duas horas de terra durante a noite. Umas poucas cervejinhas animaram-me a ponta da pena e vaselinaram-me o verbo.
Hoje já me encontro em Corumbau. Chove e me vejo em meio a receitas culinárias, novas pessoas e lindas praias. Grande mora em mim o respeito pelos herméticos esotéricos automobilísticos. Maior ainda pelos anjos e gentes queridas cujos desejos me protegem e empurram adiante. Obrigado a todos, e viva o invisível!!!

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